domingo, 4 de janeiro de 2015

Um casal perfeito

UM CASAL PERFEITO 

Adriana Falcão

O ENCONTRO – (Praia, montanha, parque, Carnaval, noite, dia, festa, bar, escritório, rua, shopping, pátio de escola ou engarrafamento.)Ele olha para ela, ela olha para ele.Ele fica na dúvida.Ela tem quase certeza.Ele só queria era ser Humphrey Bogart, mesmo que nunca tenha ouvido falar nesse nome.Ela só queria acreditar.O fato é que eles terminam juntos.Algumas considerações, uma pequena confissão, nenhuma promessa, um beijinho só.Então começa.

UM MÊS DEPOIS – (Em qualquer lugar.)É claro que ele está atrasado. É claro que ela está esperando. E se ele não vier?Veio. Chega bastante ofegante, mas finge que não estava com pressa.– Você veio correndo?– Eu? Não. Tenho asma.Tem asma, herpes, astigmatismo, essa calça listada horrorosa, é atrasado, irresponsável, desajeitado, doido, será que é apenas isso ou ainda tem mais algum defeito?Ela é totalmente incompreensível, nervosa, uma chata. Mas é tão engraçadinha, ele pensa.Então dá um beijo de desculpa nela e a tática funciona.

O CASAMENTO – (Cartório, igreja ou caminhão de mudança.)É claro que vai dar certo. Não vai? Vai sim. Sei não.Esse negócio de casamento é muito difícil hoje em dia.Casamento sempre foi difícil.Por que as pessoas casam então?Pra ficar juntas, amar, ser felizes, não sei quê, não sei que lá, essas coisas de letra de música.Porque no fundo todo mundo é romântico, sabe?Sei.Quero ver daqui a cinco anos.

DAQUI A CINCO ANOS – (Na cozinha?)Não é que casamento seja ruim é que a mesma pessoa todo dia a mesma coisa, de vez em quando cansa um pouco, é isso, e depois criança pequena dá trabalho demais, meu Deus, deviam ter avisado antes. Avisaram. Eu sei. É que a gente nunca escuta quando está apaixonado, fica surdo, fica tonto, abobalhado, fica feliz demais, uma coisa meio louca, lembra? Aquela noite? Cinco horas da manhã e a gente lá dançando. Não queria nem saber de nada de negócio de dinheiro de negócio de família de negócio de trabalho no outro dia. Não queria. Nem saber. Agora é fralda, mamadeira, IPVA de carro, supermercado, gripe, quer tomar outra cerveja? Agora não posso. Não devo. Tenho contas a pagar, sou pessoa responsável. Uma cerveja só, tá? Então tá. Já são 5 da manhã. Quer dançar? Quero.

DEZ ANOS DEPOIS – (Dentro da cabeça.)Tá passando. A vida tá passando. A vida tá passando. Será que é esta vida que eu quero? Será que ainda dá tempo de viver outra? Eu quero outra ou quero esta? Não posso afirmar muito bem, assim, com certeza absoluta. Se pudesse guardar esta vida na gaveta e ir lá fora pensar um pouco. Às vezes eu tenho essa dúvida. Mas depois passa. Tá passando.

DEPOIS DE TUDO ­ (Juntos. Ou separados.)Tirando os problemas todos, até que foi bom, foi ruim, foi médio, engraçado, meio triste, uma desgraça!, foi impossível, tá certo, foi chatíssimo, foi péssimo inclusive, mas também foi muito divertido, eu diria até que foi ótimo, excelente mesmo, foi perfeito, não foi?
E além de tudo ainda teve cada beijo...


Texto: Adriana Falcão; Fonte: Veja Rio

Leia outras crônicas na tag textos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário